quinta-feira, 9 de agosto de 2001

Entrevista com Máximo Ferreira

O ABC da astronomia

O astrónomo Máximo Ferreira, do Museu da Ciência, fala-nos da sua experiência com os jovens e dos avanços desta ciência nos últimos anos. «A astronomia é aliciante para todas as pessoas e devemos utilizá-la para ensinar outras coisas mais importantes», afirma, lembrando que não há mercado de trabalho para os astrónomos.

«Avante!» – O Museu da Ciência recebe muitos pedidos de escolas para fazer demonstrações, nomeadamente de astronomia. Qual a reacção dos estudantes que participam?

Máximo FerreiraMáximo Ferreira – A reacção normal é de expectativa. A astronomia é vista como uma ciência com muitos encantos e muitos mistérios. As pessoas normalmente pensam que vai chegar alguém que vai explicar como é que isto começou, como é que vai acabar, o que são os buracos negros... A nossa missão é chamar as pessoas à realidade das dúvidas que a ciência tem. A ciência observa alguns fenómenos, estabelece teorias e mantém um permanente convívio com a ignorância, com aquilo que não sabe.

A princípio os jovens sentem uma certa desilusão, porque não lhes passa pela cabeça que os cientistas não saibam tudo. A nossa missão é mostrar-lhes como é razoável não saber tudo... e até como é bom não saber tudo. É um incentivo permanente que se põe a todas as pessoas.

Depois mostramos como é fácil trabalhar e que a compreensão absoluta é difícil mas é possível desde que se trabalhe. Em geral ficam muitas sementes: vão sendo criados muitos grupos de astronomia pelo País, quer nas escolas quer noutras instituições.

– A grande promoção da astronomia em Portugal faz-se com os planetários e, desde 1997, com o programa «Astronomia no Verão». É suficiente?

– Nada é suficiente. De qualquer forma, tem sido bastante positivo. O planetário da Marinha, em Lisboa, principalmente desde 1975 alargou bastante a sua actividade, nomeadamente com a ida às escolas. Isso teve muitos efeitos positivos, porque lançou nas escolas algumas sementes da astronomia, trouxe cada vez mais pessoas ao planetário e criou a necessidade de produzir mais recursos para apoiar a divulgação e o ensino da astronomia.

Depois surgiu o planetário do Museu da Ciência, o do Porto e o de Espinho. Actualmente existem cerca de 20 planetários portáteis, um número significativo. Desses, 12 estão em escolas. O objectivo foi criar um centro de recursos para que, dentro da própria escola, se fizesse algum ensino da astronomia, integrada nos programas curriculares. Nalgumas escolas fez-se uma aplicação dos planetários à História, saber por exemplo como os navegadores se orientavam.

– Existem muito poucas licenciaturas que dêem formação em astronomia. Sendo esta uma área que interessa a tantas pessoas, a oferta educativa está à altura?

– Talvez não esteja suficientemente bem articulada. A ideia que tenho é que os programas curriculares não têm encarado a astronomia como uma disciplina necessariamente autónoma – e aí estou plenamente de acordo.

A astronomia é aliciante para todas as pessoas e devemos utilizá-la para ensinar outras coisas mais importantes. É mais importante adquirir uma formação razoável de matemática ou de geometria. Fazer uma conta para ver quanto é que o telescópio aumenta a visão é uma acção que assusta as pessoas, mas, seu eu tiver um telescópio e quiser trabalhar com ele, tenho de fazer a conta. Se eu fizer com que a pessoa meça a altura de uma estrela, ela vai perceber o que é a altura e que o ângulo que eu meço aqui é o mesmo que eu mediria se pudesse ir à esfera celeste.

– Parece que a astronomia não vale por si mesma...

– Vale, mas, se através da astronomia se fizer com que as pessoas percam o medo de conceitos de física ou de matemática, elas adquirem conhecimento e podem ser qualquer coisa na vida: matemáticos, físicos, biólogos, médicos, economistas, electrónicos... Se a pessoa for encaminhada para ser astrónoma, no final da sua formação não tem emprego.

– Como funciona o mercado de trabalho?

– Pois, o problema é esse. Aparentemente estava a desvalorizar a astronomia, mas não podemos estar a incentivar todas as pessoas a serem astrónomas.

– Há 40 anos, Iuri Gagarine tornou-se o primeiro homem a viajar no espaço, depois de anos de intenso trabalho no campo científico. Avançou-se tanto nestes últimos 40 anos como nos 40 anos que precederam a viagem?

– Talvez me atrevesse a dizer que quando Gagarine foi para o espaço passaram-se mais de 50 anos depois de Tsiolkovsky ter dito que «a Terra é o berço da humanidade mas que ninguém vive no berço toda a vida».

Colocar um homem no espaço é, de facto, um feito histórico. Daí para cá não se terá avançado tanto. O que se ganhou foi muita tecnologia e muita acumulação de conhecimento. Essas primeiras tentativas de colocar naves e homens no espaço foram dando uma maior noção da realidade: que condições são necessárias para ter homens no espaço e para que é preciso ter permanentemente homens no espaço?

Podemos pensar que passaram poucos anos entre o homem no espaço e o homem na lua e se não seria razoável que já tivéssemos chegado mais longe. Penso que o progresso foi extraordinariamente mais importante na percepção de que existem limitações físicas para viajar no espaço, mas que não existem limitações tecnológicas. Podemos conhecer o espaço sem ir lá.

Acho que se progrediu extraordinariamente. Hoje conhecemos muito melhor os planetas do sistema solar do que se tivéssemos insistido na ideia de que «só queremos conhecer Saturno quando for possível ir lá um homem».

– O lançamento de naves é muitas vezes apresentado pelos media como o mais importante na astronomia. Isso corresponde à realidade?

– Os avanços tecnológicos não se traduzem só nisso, mas isso faz falta para os avanços. Por exemplo, se eu quero detectar os primeiros momentos da vida de uma estrela, tenho de detectar a radiação infravermelha que não passa na nossa atmosfera. Para isso tenho de arranjar um sistema mecânico que coloque um satélite no espaço e depois tem de haver um processo electrónico que capte as radiações. A nave utiliza-se hoje como uma ferramenta.


«2001, Odisseia no Espaço» foi realizado em 1968. Hoje a realidade é bastante diferente da apresentada no filme. Na altura supunha-se de facto que a tecnologia iria evoluir tão depressa?

Quem escreve ou faz filmes sobre ficção faz sempre qualquer coisa que não acredita que seja alcançável. A magia da ficção está exactamente nisso. Gostaria de poder viajar no espaço à velocidade da luz, mas com os conhecimentos actuais isso está para lá do possível. Se daqui a 40 ou 50 anos isso se concretizar, alguém dirá que eu tenho um poder de antevisão... Mas não é nada disso.

– O Big Bang, a expansão do universo... Até que ponto se pode provar o que aconteceu há tantos milhares de anos?

– Não se prova. O que fazemos em relação ao Big Bang é o que fazemos com outras coisas. Nesta altura, vemos galáxias que se afastam umas das outras. Então, daqui a uns milhões de anos hão-de estar mais afastadas. Logo, o universo está em expansão. Agora faço o filme ao contrário. Quando ando para trás, tendo noção da escala de expansão do universo, chego a uma altura em que a matéria está bastante concentrada. Pensamos como seria a pressão, a temperatura, estabelecemos conjecturas e dizemos: «Só pode ter acontecido uma coisa: esta situação deve ter provocado uma explosão.»

Com alguns elementos que vamos recolhendo, vamos concluindo que esta é uma boa hipótese: explica aquilo que se observa e vamos encontrando vestígios que dão ideia que a evolução terá ocorrido assim. Mas não é mais do que uma hipótese. Este universo é criação do homem e é com a ciência que o arquitectamos. Esta hipótese não é completa, deixa por explicar o que haveria antes do Big Bang ou quais os limites do universo. Dava jeito que fosse infinito...

– A astronomia e a física estão ligadas à filosofia?

– Claro e até com quase todas as filosofias religiosas. A grande diferença é que o cientista tem dúvidas e o religioso não tem. Quando não se consegue descobrir algo, o cientista fica com esperança de mais tarde se descobrir, enquanto o religioso pensa: «Foi aqui que Deus entrou».

– Qual o papel dos países pequenos nos avanços tecnológicos, particularmente de Portugal?

– O papel é ser pequeno... Depende também do engenho e da capacidade das instituições. Com uma boa formação, os investigadores impõem-se por si mesmos. Há portugueses nalguns projectos internacionais e isso depende das instituições que os formaram cá e do seu próprio carácter.

Os países pequenos não têm muitas condições para investigação interna. Os centros de investigação são cada vez mais sofisticados e mais caros. Uma forma de um país pequeno se agigantar será formar bem pessoas que possam trabalhar em instituições internacionais.

in «Avante!» Nº 1445 - 9.Agosto.2001

Sem comentários: