quinta-feira, 9 de julho de 2009

«Da vida no universo ao universo da vida»

Quase a completar uma década de existência na Festa do Avante!, o pavilhão da Ciência e Tecnologia prepara para este ano uma exposição ímpar e cativante, quer para quem dela poderá usufruir durante os três dias da Festa, quer para os que, durante meses, trabalham na sua preparação. O desafio é «meter» 4500 milhões de anos em escassas dezenas de metros quadrados, disseram ao Avante!os membros do colectivo responsável pela mostra patente na Quinta da Atalaia nos próximos dias 4, 5 e 6 de Setembro.

Sob o lema «da vida no universo ao universo da vida», a exposição deste ano no Espaço Ciência e Tecnologia da Festa do Avante! dará a conhecer, de uma forma acessível e dinâmica, as principais etapas da evolução da vida na Terra até aos dias de hoje. O desafio colocado é enorme, quer para o visitante quer para os militantes e amigos da Festa encarregues de o concretizarem, lembrou Augusto Flor, responsável pelo colectivo.

A emergência do tema impôs-se, explica Luís Vicente. «Este ano assinala-se os 150 anos da publicação de “A Origem das Espécies” e os 200 anos de Charles Darwin. Comemora-se os dois séculos da publicação da “Filosofia Zoológica”, de Jean-Baptiste Lamarck, que é o primeiro texto a expor uma teoria evolucionista. Por isso entendemos que 2009 seria um ano excelente para falar de evolução».

Como é que tudo isto vai funcionar? «- A ideia é termos vários painéis nos quais se narra uma história que começa há 4569 milhões de anos com a formação da Terra e avançar até chegarmos ao Homem como hoje o conhecemos», continua.

«De um painel ao outro, fala-se dos primeiros oceanos, dos primeiros indícios de vida, da formação do oxigénio - que depois permite a expansão da vida e a formação da camada de ozono – do surgimento dos organismos pluricelulares e com eles a reprodução sexuada, que é uma etapa fundamental para a diversidade da vida, os primeiros animais com esqueleto, a grande explosão do Câmbrico, o surgimento das plantas e dos anfíbios que vão conquistar o ambiente terrestre e com isso um novo tipo de respiração», explica Luís Vicente. Nesta autêntica odisseia fala-se ainda da deriva dos continentes, ou seja, como é que as partes imersas da Terra adquiriram a configuração que têm hoje, e do aparecimento do Homem Moderno, «esse ser estranhíssimo que povoa o planeta há apenas 100 mil anos», graceja.

Um percurso fascinante

Recuando um pouco na cronologia – aproximadamente 65 milhões de anos –, a exposição traça a evolução dos primatas até ao Homo Sapiens Sapiens, «uma história com várias personagens, algumas das quais extintas, outras que perduraram até aos dias de hoje», esclarece Catarina Casanova. «A ideia é desconstruir a imagem que apresenta a evolução como sendo linear, isto é, uma espécie dá origem a outra e assim sucessivamente», quando, na verdade, este processo «é mais uma espécie de arbusto com diferentes ramos, alguns dos quais são um beco evolutivo», e esclarecer que «algumas destas espécies viveram simultaneamente com a nossa espécie», sublinha.

Outro ponto importante na exposição e que entronca com a tecnologia. «É chamar a atenção para as diferentes conquistas ao longo do processo evolutivo, isto é, quando é que surge o fogo, ou pelo menos quando é que identificamos evidências do seu surgimento; que tipo de culturas líticas, de tecnologias, é que estão associadas a estas diferentes espécies; que tipo de ferramentas é que construíam e com que materiais», diz ainda Catarina Casanova.

Aprender experimentando

Para tornar mais acessível todo este manancial de conhecimento aos visitantes, a aposta é a interactividade. «Para além das experiências elaboradas pelo nosso colectivo, temos também as que são trazidas pelo Núcleo de Estudantes de Física do Instituto Superior Técnico, colaboradores assíduos da Festa, e o espaço dedicado à Astronomia, dinamizado pelo professor Máximo Ferreira, do Centro de Ciência Viva de Constância», conta-nos Anabela Silva.«Nas experiências que estamos a trabalhar neste colectivo, vamos obviamente falar da evolução da vida, da sua diversificação a partir de um tronco comum, por isso faz sentido termos disponível a observação microscópica de células animais e vegetais», frisa. Mas as experiências não se ficam por aqui; vai ser possível, por exemplo, perceber como se explica do ponto de vista geológico a formação dos Himalaias, acrescenta Augusto Flor.

Em cada momento da visita ao Pavilhão da Ciência e Tecnologia estarão disponíveis camaradas e amigos capazes de tirar dúvidas e acompanhar experiências. É que na Festa nunca ninguém se sente perdido.

Uma mostra plena de actualidade

«O conhecimento não é neutro. Assim podemos afirmar que a exposição é política de ponta a ponta, embora seja possível destacar dois momentos onde isso se torna mais explícito», destaca Luís Vicente. «Falamos com a história abordando a construção do conhecimento relacionado com o evolucionismo. Neste contexto começamos com os atomistas, os primeiros gregos que falam de evolução; depois temos a Idade Média e um bocadinho do Renascimento, períodos nos quais a defesa de uma abordagem evolucionista podia valer a fogueira; a seguir tratamos da revolução francesa e do Lamarck, depois do Darwin, que nasce entre duas grandes revoluções, a francesa e a industrial, e que por isso tem todo o seu pensamento influenciado pela época em que nasce».

«Num segundo momento, levantamos as questões da biodiversidade e vamos dizer que a base da vida na terra está numa fase de ampla diminuição e destruição, mas acrescentando que não se trata de uma fatalidade», lembrou Luís Vicente. «O que se passa é que vivemos num processo de acumulação permanente, o sistema capitalista, incapaz de preservar a biodiversidade. É utópico pensar que pode haver uma economia de manutenção no quadro do capitalismo», insiste.

«Só uma alternativa que ponha fim ao sistema baseado na sobre-exploração e exaustão dos recursos e na destruição da biodiversidade, será capaz de defender a vida na Terra», conclui.

Diálogo entre a ciência e a arte

Central na história da evolução da vida na Terra e, por conseguinte, na exposição que lhe é dedicada na Festa do Avante!, é a relação entre as artes e letras e a ciência e tecnologia.

O que tenho que fazer para os visitantes é, parafraseando Mia Couto, ilustrar «o casamento entre a beleza e a verdade», fazer reflectir de forma mais simbólica e mais leve as matérias obrigatoriamente tratadas no rigor das chamadas ciências duras, diz-nos Alice Figueira.

«Quando vemos as primeiras gravuras, ou a primeira escultura, quando lemos uma poesia ou uma prosa, ela de certa forma amacia o rigor científico da exposição», aduz. «Afinal a ciência e a arte são como margens do mesmo rio», continua Alice Figueira voltando a citar o escritor e biólogo moçambicano.

Aprender brincando

Para os mais pequenos, o pavilhão da Ciência e Tecnologia tem reservado um cantinho muito especial, pensado e executado para chegar aos mais pequenos «com a linguagem própria para eles, onde podem interagir, deixar as suas próprias pegadas, fazer desenhos e ao mesmo tempo assimilar a informação», diz-nos Sílvia Silva.

«Vamos também fazer um puzzle com o qual as crianças poderão aceder a um bocadinho de cada parte da exposição e, para além disso, voltaremos a ter um pequeno concurso, com perguntas muito simples. Por cada resposta certa, as crianças passam à etapa seguinte», revela Lurdes Silva.

Difícil é mesmo não ver os mais graúdos a querer aprender brincando, dizem-nos entre sorrisos. Também não faz mal, até é bom que este nosso espaço promova a interacção entre pais e filhos, acrescenta Lurdes Silva.
Algo que se pode continuar em casa adquirindo os formatos digitais disponíveis na banca do espaço Ciência e Tecnologia, onde ainda se podem adquirir outras lembranças, frisa Sílvia Silva.

Levar mais longe a Festa

Se durante três dias a exposição é uma das mais vistas na Festa, depois desta encerrar os painéis galgam o terreno da Quinta da Atalaia e percorrem quilómetros em iniciativas promovidas nos Centros de Trabalho do Partido ou em escolas por todo o País, consoante um mapa de disponibilidade. Isto é possível pela amplitude e impacto que tem na sociedade portuguesa a Festa do Avante!, que chega a milhares e milhares de pessoas.

No que ao colectivo de Ciência e Tecnologia diz respeito, esse é um esforço que, assegura José Fonseca, vale a pena na medida em que todos os anos acrescenta gente à Festa. «O objectivo é divulgar o mais possível o tema da exposição entre os meios académicos, na comunicação social mais específica na área da ciência, uma experiência com resultados de sucesso igualmente na divulgação da Festa como um todo», sintetiza.

Entusiasmo em construir

Na conversa que tivemos com o colectivo do Espaço de Ciência e Tecnologia, encontrámos duas jovens cientistas que pela primeira vez estão nos bastidores, meses antes das portas abrirem, a contribuír para que no primeiro fim-de-semana de Setembro tudo esteja pronto.

Susana Varela tem como missão encurtar e rever os textos para que caibam nos painéis e estejam inteligíveis a todos os visitantes. «A minha percepção da Festa, já que é a primeira vez que participo na sua construção, é diferente e entusiasmante», revela.

Idêntico entusiasmo expressa Susana Costa, que apesar de ser visitante assídua da Festa do Avante! nunca antes abraçou tarefas na sua construção, por isso considera «um grande privilégio poder estar aqui».

«A Festa tem um lado lúdico que é bastante vincado, mas acho que este outro lado é extremamente importante na medida em que a ciência não tem que existir para uma elite, pelo contrário deve estar acessível a todas as pessoas, que é o que procuramos», garante.Susana Costa diz ainda estar «muito curiosa para ver o resultado final, sobretudo a parte consagrada à biodiversidade, porque é a área mais próxima do trabalho que habitualmente realizo».

Localização privilegiada

Situado junto ao Lago, o pavilhão da Ciência e tecnologia é um espaço privilegiado. Todos os anos é pensado para acolher com maior conforto e eficácia os milhares de pessoas que por ele passam.

«Na entrada vamos ter um friso cronológico que vai mostrar de forma breve a evolução. Na zona central vão estar organizadas as exposições, quer a mostra propriamente dita, quer as experiências. Depois temos o auditório (no qual se realizam debates e conferências, isto para além do debate agendado para o Pavilhão Central), e junto a este o espaço dedicado às crianças. Na parede restante, estarão as personalidades e a actualidade», explica com desenvoltura Patrícia Bargado, responsável pela arquitectura do pavilhão.

«Isto vem ao encontro de algo que tentamos ter sempre presente ano após ano, que é transformar o espaço acrescentando alguma coisa diferente», frisa Sílvia Silva.«Desta vez procurámos não apenas ter a exposição no interior, mas trazer alguma coisa cá para fora, uma vez que a localização é privilegiada e um ponto de passagem constante dos visitantes. Assim vai ficar numa parede exterior um painel sobre a evolução do Homem e, na entrada, o modelo do Ichtyostega».