quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Mais do que ciência, política


Não serão apenas os notáveis avanços técnicos e científicos a estar em destaque na exposição do Espaço da Ciência desta edição da Festa do Avante!. De inegável importância para a civilização humana, o progresso tecnológico não tem servido a todos por igual, ou não estivesse a sociedade humana dividida por classes antagónicas. Para Augusto Flor, «hoje, na era do TGV, grandes massas estão ainda excluídas de meios de transporte fundamentais e, em muitas áreas, a deslocação de pessoas e bens faz-se de formas ainda muito rudimentares». Em sua opinião, há que pensar ao que conduz a tecnologia numa sociedade de desigualdade.

Em Portugal, por exemplo, tem-se desvalorizado o transporte ferroviário. Mantiveram-se aqueles que são os eixos centrais e encerrou-se grande parte dos ramais regionais, que levavam o transporte ferroviário às regiões mais recônditas do País. A lógica é a do lucro e não a da satisfação de uma necessidade que é pública, independentemente da natureza da oferta do serviço.

Assim, destacou Augusto Flor, na exposição pretende-se ainda estabelecer uma relação entre ideologia e os transportes. «Não é indiferente a cada época ou a cada governo o índice de desenvolvimento dos transportes terrestres», afirmou. Rodoviário ou ferroviário, individual ou colectivo, público ou privado – todos estes vectores são claramente políticos, destacou o responsável.

O PCP, lembra Augusto Flor, tem um imenso património de propostas sobre transportes. O desenvolvimento de uma rede ampla – aproveitando as infra-estruturas instaladas – de transporte ferroviário, com ramais para todas as regiões do País é uma delas. A aposta no transporte colectivo em detrimento do individual e do público sobre o privado são outras das propostas dos comunistas, que pugnam ainda pelo carácter intermodal dos títulos de transporte. «Não faz sentido que, por vezes para andar dez quilómetros na zona de Lisboa, se tenha que comprar quatro ou cinco bilhetes», afirmou Augusto Flor.

Na literatura, particularmente no neo-realismo português, a questão social é também notória. Alice Figueira lembra que José Gomes Ferreira conta, na sua obra O graxa, que existiam lugares marcados nos eléctricos de Lisboa. «Para os miúdos da rua era à pendura.» Já Soeiro Pereira Gomes retrata, num conto, a terceira classe dos comboios, reservada aos operários.

Para Augusto Flor, o avanço técnico e científico é importante, mas não é suficiente. A questão fundamental é política: «a quem serve esse progresso?»

in Jornal Avante! N.º 1758 09.Agosto.2007

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